Oct. 6th, 2025

legado

Oct. 6th, 2025 02:37 pm
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Há algum tempo, descobri a existência de um elemento nos cromossomos chamado telômero, que determina o tempo de vida do ser pela quantidade de mitoses feitas pelas células, sendo a expressão desse cálculo o quanto essa nanoscópica capa se desgastou. Por mais que seja fantástico, não significa nada. A morte do corpo leva apenas a matéria - os ossos velhos, o coração fraco, a pele tão frágil; mas o ser é eterno. Essa eternidade, embora aparentemente incabível ao plano de existência que é a vida na Terra, se manifesta unicamente nela.
Quando morrer, sei, por convenção, lógica e religião, que não levarei nada. Se comprar uma propriedade, será herdada por alguém; se construir uma família, ela há de continuar normalmente sem mim. Se ganhar um prêmio, de que vale? Nada de grandioso ao olhar dos homens de fato é válido, pois a mansão herdada será, um dia, destruída, bem como meu nome não será conhecido ou sequer questionado por meus tetranetos e o metal do troféu irá oxidar. Contudo, a alma produz coisas profundas e incorruptíveis, que não podem ser tiradas de alguém por força alguma, mas o verdadeiro e único órgão vital que ela é continuará a se desenvolver durante toda a eternidade, banhando-se no branco, no vermelho, no azul, no dourado e no preto, até adquirir cor própria, jamais concebida antes.
O único legado real e valioso que se pode deixar na Terra é a própria alma, pois ela há de participar na coloração de tantas outras que correm desesperadamente em busca de uma conclusão. E a única maneira de tingir espíritos por gerações é através da criação - e por criação, digo poesia, filosofia, ciência, fotografia, pinturas, gravuras, anotações. Tingir é fazer arte, e arte é o fruto da criação. Pensar é um quadro em branco, mas registrar é criar.
De nada vale ter tantos pensamentos valiosos se não posso levá-los aos corações que precisam de inspiração. E quantos pensamentos valiosos não tenho? Chorei tantas vezes ao longo da minha vida; me machuquei fisicamente e emocionalmente; machuquei outros também; mas também sorri, pensei, amei (e como!); e, de tudo isso, pude aprender um pouco mais sobre a existência. O emaranhado dos aprendizados é o legado que tenho para deixar aos outros e a mim mesma, seja esse legado imediato, futuro ou ainda desperdiçado. O que vale é deixar um pouco de vida para que sejam criadas outras a partir dela.
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eu atiro em cervos por tradição
como a carne dos lobos por maldição
faço bolos com tripas por convenção
eu não mato em vão

enfeitiço as pragas do meu porão
faço labaredas pela atenção
ora Deus diz sim, ora diz que não
eu não crio em vão

meu castelo fica quente no verão
meus amados pais me exaltarão
e da Terra exterminarei o embrião
eu não reino em vão

eu como animais por não ter opção
eu assisto a chama por obrigação
eu passo a espada que corta minha mão
eu não vivo em vão
(ou é o que dirão.)

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sofia

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